Despreparada


Certa vez, sem procurar, fiquei sabendo de algo bem pessoal, íntimo e delicado sobre a vida de uma mulher. Ela não era uma amiga nem colega, mas me escolheu, não sei por quais critérios - necessidade ou empatia - pra dividir o segredo.


De surpresa no meio do dia, ela chorando me contou que era violentada quase todas as noites, pelo marido. Me mostrou as marcas das "lutas" e confessou da forma mais intensa que eu já pude ouvir: "eu tenho vergonha, eu estou toda dolorida". O dolorida tinha todos os sentidos possíveis da palavra.


Eu não sabia o que fazer com tudo aquilo. Como ajudar? Como protegê-la? O que dizer? O que aconselhar? Hoje concluo que vivo num mundo paralelo, em que essas situações não são vida real, são matérias do noticiário, bem distantes.


Como sugerir, futilmente, "denuncie ele"?! Era o marido. Era o pai dos filhos. Como aconselhar? Qual bagagem, estrutura, maturidade, estória de vida tenho eu pra aconselhar qualquer mulher a fazer qualquer coisa que seja diante de tamanho problema?


Eu perguntei:


Você gosta dele?
Você pode se separar?
Não teria como vocês conversarem?
O que mais ele pode te fazer de mal?
Você acha que pode perdoá-lo?


Envergonhada agora fico eu ao lembrar perguntas tão bobas. Ela ali precisava de mim e eu consegui ser infantil, ingênua, pragmática e machista. Ela não merecia passar por aquilo tudo e eu não merecia que ela tivesse me escolhido pra confidenciar tamanha dor.


É natural sugerir perdão a alguém que é violentada quase todas as noites por um homem?

Porque eu perguntei isso? Não deveria prontamente tomar partido contra ele, já que, obviamente, o único vilão ali era ele mesmo? É machista, antiquadro, submissivo. É péssimo, mas foi o meu raciocínio instantâneo: buscar um diálogo, restabelecer o lar e voltar a viver bem. Como se fosse fácil, simples e possível.


Sugerir a separação. Como poderia? Estava ali uma família, uma história, anos de convivência, uma série de redes emaranhadas de relações e eu lá, de fora, gratuitamente e simploriamente questionando: você não poderia se separar?

Juro que quando você está frente a frente com o leão, nenhuma solução parece lógica, simples ou possível. Mas algo precisa ser feito.

Bem, de fato, eu sou muito despreparada pra esse mundo. Despreparada pra maldade. Vivo no mundo da Barbie, colorido, cheio de hidratantes, compras em Liquidação e uma solidão fútil que eu insisto em apontar como o "meu problema pessoal do momento".

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