Filhos


Estava eu fazendo meu Êxodo, do interior para a capital, avião sobe-avião desce, troca de aeronave e etc etc, quando numa das subidas, sobe uma mulher, trinta e poucos e duas meninas, mais ou menos da mesma idade ou com pouca diferença. De fato, eu não sou muito boa em deduzir quantos anos têm crianças. Pra mim, elas eram da mesma idade, sei lá.

Até elas sentarem nas cadeiras a frente. As meninas não tinham mais que 4 anos, era fato. Mais a frente, tive a resposta certa: uma tinha 3 anos e a outra, 1 ano e 9 meses. A mãe, parecia uma heroína de um romance moderno: nova, com cara de cansada, carregando uma bolsa e tentanto controlar as duas. Obviamente, o objetivo delas era fazer a mãe não alcançar seu objetivo. Elas estavam descontroladas.


Mexiam, falavam, choravam, gritavam, mexiam denovo, não queriam atar o cinto, brigavam, se batiam, gritavam mais um pouco, enfim. Na falta do que fazer, sem conseguir dormir com o furdunço e achando inicialmente tudo aquilo "engraçadinho", fiquei a observar as três.

Por vezes, a mãe parecia ser uma domadora de feras, sem sucesso. Por vezes, ela parecia mesmo ingênua, inexperiente, enfim. Eu pensava comigo: como pode alguém sair com duas crianças desse estilinho pra um vôo sem levar travesseiro, mamadeira, brinquedinho, sei-lá-o-quê para entreter as criaturinhas puras e santas? Ou pensava: ela acha mesmo que vai controlá-las com esse diálogo? Ora eu pensava: Deus me livre ser ela. Ou: coitada, cadê o marido?

As meninas eram fogo. Eu já nem sabia em qual aeroporto estava - Brasília, Salvador, o que seja - as meninas estavam lá, berrando, pedindo água, pedindo bombom, se batendo, chorando, pedindo colo, enfim.

Eu tentei fazer amizade. Afinal, eu poderia entretê-las, já que estava entretida com elas. Além disso, eu costumo ser bem aceita pelas crianças. Sem sucesso. Tentei diálogo - uma delas disse enfáticamente: Sááááiiii! E bateu no meu braço "calorosamente". Não havia ali sinal de amizade.

A mãe parecia ter regredido e estar ali como elas, enlouquecida. Não sabia bem o que fazer. Quando uma gritava "eu quero água", ela pedia água a comissária. Quando a outra pedia bombom, ela dava bombom, quando tinha que colocar o cinto, elas gritavam e a mãe implorava pra elas aceitarem o cinto, meio que numa súplica.

Eu, no lugar dela, estaria a beira de dar umas palmadas nas meninas. Eu, no lugar dela, não teria o controle emocional que ela teve. Também não saberia conduzir. Não saberia nem por onde começar.

Lembrei da super nanny, fiquei pensando que forma de criação poderia ter levado aquelas crianças a estado de descontrole ou falta de educação, mimo ou inqueitação naquele nivel. Elas pareciam querer chamar atenção a todo tempo e a mãe parecia exausta de dar atenção e sufocada, mas sempre usando a mesma estratégia de dar a atenção.

Lembrei dos estudos de psicologia. Tive pena dela. Tive mais pena. Não pude me omitir e me ofereci para ajudar. Levei mais tapas nos braços, puxão de cabelo, enfim. Eu não podia não fazer nada. Elas estavam se matando, matando a mãe e o avião ali, pousando e decolando.

Criança é coisa difícil. Gente é coisa difícil. Colocar filho no mundo não deve ser fácil. Mantê-los deve ser de um tanto louco. E tem gente que toca esse barco sozinho.

Comentários

  1. Fábia,
    Seus textos têm a capacidade de suscitar reflexões e divertir ao mesmo tempo, muito lúcidos e contemporâneos... Estou virando leitora assídua!!!
    Beijos grandes, Glorinha.

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  2. Glorinha,

    O maior lisonjeio pra quem escreve é se ver diante de bons leitores.

    Eu diria: são seus olhos rsrs.

    beijo

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