Doidas e Santas/ Martha Medeiros


Ganhei de presente de aniversário de uma amiga (da categoria das melhores) um livro muitíssimo bom. Leve, porém não raso. Feminino, mas universal. De crônicas, mas atemporal.

Dá vontade de publicar todo o livro por aí. Sair lendo, recitando, de tanta identificação e tanta completude que as idéias da Martha Medeiros têm com as minhas.

Escolhi a crônica que dá nome ao livro para encostar por aqui. Não que as demais sejam menos importantes. Para cada situação e tempo há de haver uma aplicável. Gosto do "Obrigada por insistir" "A triteza permitida" "A separação como um ato de amor" (essa merece post) "O café do próximo" e muitas tantas.

"Doidas e santas", assim ela denomina as mulheres. E eu concordo, em gênero, intensidade e verdade. Abaixo, o entre aspas.

"Doidas e Santas


Estou no começo do meu desespero/ e só vejo dois caminhos:/ ou viro doida ou santa." São versos de Adélia Prado, retirados do poema "A serenata". Narra a inquietude de uma mulher que imagina que mais cedo ou mais tarde um homem
virá arrebatá-la, logo ela que está envelhecendo e está tomada pela indecisão - não sabe como receber um novo amor não dispondo mais de juventude. E encerra: "De que modo you abrir a janela, se não for doida? Como a fecharei, se não for santa?'

Adélia é uma poeta danada de boa. E perspicaz. Como pode uma mulher buscar uma definição exata para si mesma estando em plena meia-idade, depois de já ter trilhado
uma longa estrada onde encontrou alegrias e desilusões, e tendo ainda mais estrada pela frente? Se ela tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões - e a gente sabe como as desilusões devastam - terá que ser meio doida. Se preferir se abster de emoções fortes e apaziguar seu coração, então a santidade é a opção.
Eu nem preciso dizer o que penso sobre isso, preciso?

Mas vamos lá. Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa. Os marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe???

Nem ela, caríssimos, nem ela.

Existe mulher cansada, que é outra coisa. Ela deu tanto azar em suas relações, que desanimou. Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá, que deixou de ter
vaidade. Ela perdeu tanto a fé em dias melhores, que passou a se contentar com dias medíocres. Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais.

Santa mesmo, só Nossa Senhora, mas, cá entre nós, não é uma doideira o modo como ela engravidou? (Não se escandalize, não me mande e-mails, estou brin-can-do.)
Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e
dá-lhe usar nosso poder de sedução para encontrar "the big one", aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na
mão jamais. Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo? Mas além disso temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir, às vezes, que somos santas,
ajuizadas, responsáveis, e que nunca, mas nunca, pensaremos em jogar tudo para o alto e embarcar num navio pirata comandado pelo Johnny Depp, ou então virar uma
cafetina, sei lá, diga aí uma fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.

Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três destas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica,
maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascinante.

Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Ultima Gota. Só as
cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.

13 de abril de 2008"

Comentários

Postagens mais visitadas