Ele tinha boas referências


Hoje tive mais uma aventura interestadual das muitas vividas. Algumas já postei por aqui, a maioria eu guardo em meu legado de grandes emoções.


Tentanto fazer o movimento de transumância (nem lembro mais o significado dessa palavra, mas gosto dela), Recife-Maceió, me dirigi a coerente rodoviária do Tip, localizada a quase 30km da cidade - ou da civilização - tentando pegar o ônibus das 13h. Chegando às 12:50, sem dinheiro, fui sacar o valor da passagem - já que a Real Alagoas, de tão moderna, só aceita dinheiro "vivo". Todos os caixas eletrônicos quebrados na única rodoviária da maior cidade do Nordeste, após um assalto na semana anterior, me vejo distante do mundo, sem dinheiro, sem caixa e rodeada de iniciativas privadas com formas de pagamento arcaicas.


Pensei: vender o corpo, explorar os amigos pernambucanos, perder o ônibus, pegar um taxi, enfim. Acostumada a elaborar planos de contingência emergenciais para assuntos de "estar longe de casa sozinha", resolvi entrar de loja em loja perguntando quem trocada R$70 no débito por R$50 em dinheiro. Uma alma caridosa ou esperta, que percebeu o ganho da transação, topou a proposta.


Correndo feito louca na rodoviária - mala, mochila, revista, em famoso estado de "feito-burro-de-cigano", o moço simpático do guichê, que viu toda a minha movimentação, olhou calmamente e com uma ponta de sarcasmo, e disse: o ônibus já foi. Ótimo! Que bom!


Um outro de longe perguntava, "é pra Maceió?", resolvi acatar. Ele oferecia ir de carro pra Maceió, eu e mais duas pessoas, dali a 30 minutos. Perguntei qual o carro - um Celta, e o preço. Pelo Celta, já não haveria conforto, pelo preço e a hora de chegar lá, tava valendo.


O moço parecia limpinho, mostrou suas referências... "todo mundo me conhece aqui na rodoviária" (aquela, longe da civilização, arcaica, com caixas eletrônicos roubados). Bem, parecia ser um bom negócio: chegar 3h antes em Maceió pra dormir cedo e etc.


Nada aventureira e com alma estereotipicamente virginiana, sigo no relato da real vivência do didato "por vezes o barato sai caro".


Esperei um monte até ele resolver partir. Ligações para todos e o papa, era uma lábia do tamanho do mundo. E continuava tentando ocupar os 4 lugares do carro. Até ali, 3 ocupados. Eu perguntei se ele voltaria pra Recife (último suspiro de lucidez), já que ele prometia pegar alguém em Piedade, Candeias, Boa Viagem, enfim, e ele falou que "não". No frigir dos ovos, percorremos quase toda a grande Recife pra buscar as pessoas que iam junto. Saímos da cidade rumo a Maceió às 16h, o mesmo horário que o próximo ônibus sairia. Num Celta.


Nos primeiros diálogos, o moço dá sua opinião sobre a violência no Brasil, baseando-se numa história corriqueira de sua vida profissional: "sou policial civil, um dia vieram uns me assaltar; tive que mandar bala. Um eu matei, caiu lá mesmo. Matei não, ele que morreu, num mandei tá ali na hora."


Um segundo relato: "comprei um celular de R$120 e vendi a esse (burro) por R$180, acredita?". Bem, ele também passou no canto lá "que era caminho" pra receber os R$180.


O último passageiro a entrar, não pesava menos que 120Kg. Carismático, já entrou reclamando: "você marca comigo às quatro e meia e chega meia hora antes?". Com os pobres mortais dali havia marcado às 13:30h.


E a viagem foi uma beleza! O senhor de vários centímetros de diâmetro, se tivesse ido no banco de trás, talvez eu não tivesse aqui pra contar a história. Foi no banco da frente. O que não nos impediu de sentir calorosamente o odor de suas flatulências durante toda a viagem. Na primeira, eu até achei que tava sonhando, já que dormia. Devia ser o cheiro dos canaviais ou teria sido eu, dormindo?! Sentimento de dúvida (e culpa?). Na segunda, eu entendi que os problemas do mundo gástro-intestinal não estavam em mim.


Quatro horas de viagem, paradas estratégicas para "tomar uma água, um café", quando ninguém queria parar. Mas o motorista achava "necessário", então, paremos! Deu pra peguei um Doritos+Baconzitos+Ruffles, lanchamento da Pepsico no higiênico posto de gasolina da estrada. E tive o grande ganho: conheci o shopping, essa foto daí de cima.


Acompanhei as 24 ligações que ele fez à esposa, resolvendo o problema do Plano de Saúde, do conserto do ar condicionado, do médico do dia seguinte. Uma das passageiras acertava com a filha pela terceira vez: "comprou o pão?" E depois tentava justificar pra mesma filha que no carro não tinha só homem, que tinha uma "menina" (eu) com ela:


"Mas menina, eu não tenho medo de homem, seu pai era homem e eu gosto de homem, esqueceu?" - Um tanto peculiar a explicação para a criança de 8 anos.


Minha cabeça não parava, eu queria espaço pra já ir ali já escrevendo. Mas não restava centímetro nenhum entre eu e o outro ao lado. E nada que eu tente descrever explica as "emoções" vividas: cômico e desconfortável.


Papai e irmãs, nunca leiam esse texto, por favor. Eu juro para sempre, de pés juntos, que eu tenho juízo e que não foi perigoso. Agora, me parece até divertido.

Comentários

  1. Kkkkkkkkkkkkk... Essa Fabinha!!! Cada aventura hein?!?!?!

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  2. "MENINA, perlamordedeus...tsctsc"

    Frase típica da Casa dos Alves sendo proferida contra sua imprevisível aventura.

    ( Os posts estão cada vez melhor ).

    [Ontem teve o carnaval da pracinha...está ficando lotado, com bandinha irada e tudo. Você ia gostar!]

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  3. hahahaahahahahah Amiga, q bom q encarou td isso com o bom humor sarcástico que lhe é habitual! rsrsrsrsrsrs Eu jamais teria tido a ideia de trocar 50 por 70 no débtito, foi genial! Vivendo e aprendendo soluções alternativas ao clássico "Senta e Chora". Bjos

    Jully

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  4. Nossa! Como sinto falta deste tipo de super-empreendedor urbano por estas bandas daqui de Maceió. Ele é como uma super solução para todos os seus problemas. Só pela foto dei conta que preciso mesmo desta chave de boca 15' que está exposta logo em baixo e esse conjunto de chave de fenda que está pendurada encima. Fica onde mesmo este shopping?
    Emerson.

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