Natureza viva

Eu tentava conquistar o garçon a criar um novo prato pro cardápio que não existia. O garçon, se esforçava em entender direitinho o pedido e ensaiava de convencer o chefe de que eu tinha razão ou de que merecia o prato.

Eu tentava todos os ângulos para a foto perfeita daquela plantinha que me chamou tanta atençao. Ela chegou desastrada, trabalhando, limpando os vidros da varanda. Eu parei por um tempo e fui contemplar o mar. Ela não se conteve:

- Não tem nada melhor que olhar o mar. Até dor de cabeça passa.... tem dia que eu tô com dor de cabeça e aí basta ficar um tempo vendo o xuá-xuá e pronto. Passa logo.
Ainda ela, monologamente:
- Eu nem devia ter dor de cabeça... eu tenho um marido ótimo, companheiro... maravilhoso. Mas tem dia que a gente fica de mal humor... estressada com as coisa... num sei pra quê, né?
Eu só escutando e sorrindo e, ainda ela:
- É que eu sofri muito com o pai do meu filho. Num sei como eu não morri de tanto sofrer. Sofri demais. Ele era horrível: mulherengo, da gandaia, vivia com mulher na rua. Era grosso, violento. Eu conheci ele tinha 14 anos, ai a gente é besta, se apaixona. Fiquei até os 26.
- Ai você se separou... - perguntei quase afirmando.
- É, ele num prestava não. Fez foi morrer. Eu sobe foi da notícia... tava em casa e a polícia ligou. Eu morava com ele ainda, mas não tinha mais coisa, relaçao... Agora com meu marido de hoje é tudo diferente.
- E ele assumiu seu filho, foi?
- Assumiu como se fosse dele. Ele é maravilhoso. Nem sei porque eu reclamo da vida... num tinha nada pra reclamar não.
- Seu filho tem quantos anos?
- Ele tem sete, o meu bebê. O meu marido é mais novo que eu... tem 30 e eu tenho 33. Até mais velha eu sou e ele me quis. É um amor o meu marido. E a senhora é de onde? - achei que falaríamos só dela.
- Do Ceará.
- Lá tem mar que nem aqui?
- Tem sim, só não é como esse seu. - falei pra agradar.
- Igual a esse num tem mesmo não. - ela disse em defesa do que era seu.
- É... enquanto tem gente que trabalha em escritório, olha qual é o seu escritório... - falo mostrando o mar que está na nossa frente.

Com a comparaçao, consigo roubar uma gargalhada dela.
- Qual o nome dessa florzinha, você sabe? - mudei o assunto pra ver no que dava.
- Num sei não, a senhora quer saber, é? - sem ouvir a resposta, ela saiu e mais tarde volta com o nome escrito num post it amarelo e toda uma explicação de como elas são coloridas: kalanchoe.

Fico pensando como ser ouvido faz um bem danado pra quem precisa ser ouvido.

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