Aos 22

Ele tinha lá seus 1,9m de altura, rosto de criança e jeito de moleque. Nos primeiros relatos sobre a família, um pai viciado em jogo do bicho que batia na mãe todas as noites. Ela, doméstica, trabalhava pra sustentar os filhos pequenos, que eram quatro. Até hoje ele não fala com o pai, "ele não me merece ter como filho". Na frase, o peso de uma forte mágoa, que o fazia mais maduro do que o que mostrava a aparência. E lá se forma fortes relatos.

Aos 12, perguntou ao dono da van que percorria o bairro como fazer pra ser trocador. Não lhe deram importância, até ele oferecer seu trabalho por metade da diária que cobravam. Ele sabia que "tava quebrando os caras". Mas ele precisa de algum dinheiro e a negociação tava funcionando.

Ficou alguns anos nesse oficio. Até se oferecer ao técnico da TV por assinatura pra "trabalhar de graça pra ele". Assim, aprenderia o ofício e poderia ganhar a vida com aquilo. Em quinze dias, sabia mais que seu mestre, foi contratado e tinha um emprego.

Fazia bico na noite, de segurança. Vestia um terno preto, camisa branca e gravata. Na volta pra casa, já de manhã, encontrava os irmãos evangélicos no meio do caminho também de terno preto e gravata:

- "Tenha um bom dia, irmão!". E ele respondia:
- "Amém. Aleluia!". - correspondia às leituras da Bíblia e acompanhava os testemunhos.

No Exército, foi alistado. O Sargento reconheceu que ele cuidava do acesso na casa de shows de pagode, "você já está dentro, é meu peixe". E a partir dali teve que conseguir ingressos todo sábado pro Sargento.

Como porteiro, fez amizade com todos os moradores. Mas os outros não gostavam dele. Queriam lhe passar a perna, mandavam ele tratar mal os condôminos. "Mas como que eu ia tratar mal os meus clientes? Num me arrependo não."

"Se conseguir esse emprego já sei como vai ser: acordo 8h, pego o ônibus às 9, chego aqui em quinze minutos, trabalho as 8 horas, ainda dá pra chegar em casa cedo. O salário é pouco, mas tenho meus bicos, vai dar que sobra."

Aos 22 já tinha dois carros, um terreno, o material pra construir a casa e a coragem pra erguê-la.

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