Cavalos de pau, velocípedes e meninas


Depois que o blog surgiu na minha vida, passei a receber umas coisas bacanas das pessoas. Coisas que acham que eu vou gostar de ler. Ou coisas que escreveram e não têm "coragem" de publicar.
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Abre parêntese: Sempre que eu penso que as pessoas não têm "coragem" de publicar, me cai o peso de ser uma pessoa que "tem a coragem" de publicar. Pessoa de coragem, pessoa com personalidade forte, alguém perfeccionista são definições usadas nos papos de mesa de bar sempre com sentido ambíguo. Já perceberam? E eu tenho muito medo das ambiguidades. Fecha parêntese.
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Bem, pra não fugir muito do assunto com os devaneios, o fato é que o amigo que falava de amor na véspera do Natal, me presenteou com outro texto muito bom. Dessa vez, menos romantiquinho, mas cheio de nuances gostosas, enfim.


Deliciem-se novamente!!


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Cavalos de pau, velocípedes e meninas

Engraçado como as coisas mudam na vida. Quando criança eu tinha um cavalo de pau. Imagina só? Hoje to nem aí pra os cavalos. Acho legal o que os cavalos representam: força e vitalidade (pelo menos para mim). Mas montar a cavalo é algo bem distante do meu cotidiano ou mesmo do que eu busque. Então, por que a lembrança do velho cavalo de pau?

Na verdade, em minhas elucubrações despretensiosas descobri que meu velho cavalo de pau servia de apóio aos meus sonhos de criança. Não, eu não queria ser vaqueiro, fazendeiro, nem porra nenhuma dessas. Eu queria explorar. Meu cavalo de pau era na verdade o meu companheiro de jornadas e aventuras. Sem ele, não tinha graça a aventura.



Mais curioso ainda era pensar que quando criança ter um cavalo de pau já era retro, imagina só? Acho que só eu tinha um cavalo de pau na minha rua. Ninguém tava nem aí pra meu azalão. O que por um lado, tinha um ponto muito positivo, pois ninguém me pedia emprestado.

Na verdade, nos idos de 1980 meus amigos estavam muito mais antenados nos vídeo games. Era um tal de comprar cartucho de não sei o que, emprestar pra fulano, trocar com o cartucho de sicrano e o idiota aqui ficava totalmente sem assunto, já que não curtia jogos eletrônicos. Na verdade, sempre achei um saco esses joguinhos.

Achava inconcebível como é que alguém preferia jogar vídeo game a me acompanhar com o meu azalão por alguma super aventura até então impensável. E como lembro que isso me emputecia. Eu era o único super-herói sem companheiro, eu pensava. Isso dificultava sensivelmente minha vida, afinal, era eu sozinho pra enfrentar vilões terríveis, abismos, tiros, extraterrestres, animais selvagens. É isso mesmo, não exija qualquer coerência das aventuras que passavam na minha cabeça. Eu enfrentava um ET e um mamute ao mesmo tempo.

Depois, lembro perfeitamente, que meu cavalo de pau foi um dia substituído. Ganhei um velocípede (cara quanto tempo não escuto essa palavra). Putz! O azalão se fudeu. Esqueci completamente do coitado. Agora todas as minhas aventuras eram sobre rodas. Era mais veloz, mais dinâmico e eu podia fugir mais depressa dos vilões. Mas o velocípede tinha problemas. Ao contrário do cavalo de pau, todo mundo cobiçava-o. E aí já viu né? Era um tal de “me empresta?”, “posso dar uma voltinha?”. E eu que antes combatia sozinho, agora tinha uma liga da justiça comigo. Agora era o vídeo game que perdia a parada.

Caraca! Lembro que meu velocípede revolucionou a rua, tinha agora moleque pra cacete nas calçadas. E mais velocípedes surgiram e mais e mais. Podíamos combater em frota agora e as calçadas tornaram-se pequenas. As aventuras agora incluíam como espaço vital, inclusive, duas ruas acima e duas ruas abaixo da nossa. O mundo tornara-se pequeno para nós. Era inconcebível o quanto reinventávamos com o velocípede. Corrida? Que nada... Rolava cabra-cega sobre rodas mermão! Como? Nem me pergunte, mas a galera era original.

Depois com o tempo, chegaram velocípedes rosas. Nossa! Começaram a se formar grupinhos. Do ápice dos nossos 8 anos, ninguém queria mais um bat-amigo pra circular e combater por aí. Todo mundo queria uma menina como escudeira. Sabe como é né? Chegara os tempos da Mulher Gato e da Supergirl. Eita que quando apostávamos corrida como outro menino a gente quase esfolava os pés no pedalo, botando pressão. Quando uma menina estava na corrida, até a mais lerda ganhava de nós. Às vezes ficava até difícil simular que ela ganhou. Mas como nenhum era algum especialista em como conseguir a simpatia das meninas de velocípede rosa, achávamos que não ganhar delas podia ser um bom começo. Depois era só dizer: nossa! Você corre demais! Coitados de nós, imbecis.



Mas o pior estava por vir. Aconteceu um acidente. Um bocó de um menino novo da rua com seu desajeitado velocípede verde quase fora atropelado em plena rua (culpa exclusiva dele, já que violou a regra fundamental de que só podia andar de velocípede na calçada). Enfim, o moleque só se arranhou, mas isso causou o frisson entre todos os pais e quase que foi decretada o fim da era do velocípede. Nem as meninas, sempre tão cuidadosas, escaparam dos toques de recolher. Nenhum pai ou mãe queria deixar seu filho desfilar de velocípede pela rua e levar o nome de insano ou irresponsável pelos outros pais. Enfim, fudeu! Acabou! 3 ou 4 meses depois o bocó do velocípede verde se mudou pra outra rua e nós continuamos ali letárgicos. Meu velocípede foi apreendido pela minha mãe (não mais o vi). Meus amigos voltaram pra o vídeo game e eu, pra o velho cavalo de pau que estava encostado atrás da porta do meu quarto. Fazer o que né? Voltei as aventuras do cavaleiro solitário.


Quando eu tiver um filho, se um dia eu o tiver, vou dar um cavalo de pau pra ele.


Correntes, 05 de fevereiro de 2011.

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